Resumo

          Estudos mais recentes sobre a patogenia do LES sugerem que o nucleossoma, a unidade fundamental da cromatina, seja o principal antígeno desencadeador da resposta autoimune nesta patologia. Por muitos anos este papel foi atribuído ao DNA, principalmente devido à constatação de que a presença de anticorpos anti-dsDNA estava associada a períodos de atividade do lúpus, sobretudo ás recidivas de nefrite . Verificou-se entretanto, em experimentos animais e em investigações clínicas, que a hipótese de ser o DNA o principal imunógeno não satisfazia completamente a todas as observações. Tentativas de imunização de animais com DNA isolado foram infrutíferas e a perfusão de complexos imunes formados artificialmente com DNA e anti-dsDNA não reproduziram a doença. Além disso, em vários modelos, incluindo camundongos espontaneamente lúpicos e também em humanos, se tem verificado a ocorrência de formas graves do LES sem que se constate a presença dos anticorpos anti-dsDNA. Nos estudos em que outros elementos da cromatina, sobretudo o DNA associado a histonas - o nucleossoma, foram injetados em animais predispostos ao lúpus, ficou claramente demonstrada uma exacerbação da resposta autoimune com surgimento de nefrite em alguns camundongos. Fica assim evidente que essa molécula possui um papel fundamental na estimulação da célula T patogênica, iniciando o processo de desregulação imunológica observado no LES. Fortalecendo essa hipótese, se constatou também que o DNA circulava no sangue desses indíviduos sob forma de nucleossomas , liberados por um provável distúrbio da apoptose, sugerida em alguns estudos. A identificação de material nuclear em tecido renal humano e a presença de anticorpos anti-nucleossoma em eluatos de rim sugerem igualmente que possam exercer um efeito nefritogênico.

          Diante dessas evidências iniciais sugerindo um papel primordial do nucleossoma na fisiopatogenia do LES, elaboramos um estudo clínico para avaliar o valor don anticorpos anti-nucleossoma no diagnóstico do LES, sua correlação com os índices de atividade da doença, a sua associação com manifestações clínico-laboratoriais, principalmente a nefrite em atividade, associação com o tempo de doença, o tempo de tratamento e o tipo de terapêutica empregada. Realizamos um estudo de corte transversal , reunindo 71 portadores de LES, 64 mulheres e 07 homens, com média de idade =30,01±11,48 anos e tempo médio de doença =37,7±47,87 meses, internados ou atendidos em ambulatórios do Hospital Universitário Walter Cantídio a Hospital Geral Dr. César Cals, durante o período de março de 1995 a novembro de 1997 . Todos os pacientes preenchiam pelo menos 4 critérios , do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) para diagnóstico do lúpus e foram classificados segundo a atividade da doença através de dois índices SLEDAI e LACC. 63,4% deles encontravam-se com doença ativa e 77,4% apresentavam envolvimento renal como definido pelos critérios do ACR. As amostras de sangue foram obtidas para pesquisa dos anticorpos anti-nucleossoma, anticorpos anti-dsDNA e anticorpos anti-histonas, através do método imunoenzimático (ELISA). Valores ndrmais para esses testes foram definidos num grupo de doadores voluntários de sangue, sendo também analisado soro de portadores de artrite reumatóide e de glomerulopatia primária para cálculo da sensibilidade e da especificidade dos anticorpos. A comparação entre os grupos mostrou que os títulos dos anticorpos anti-nucleossoma e anti-dsDNA estiveram significativamente mais elevados nos portadores de LES que nos demais indivíduos (p<0,0001). A sensibilidade dos anticorpos anti-nucleossoma foi de 71,8%, significativamente superior à de 43,6% observada para os anticorpos anti-dsDNA (p<0,0001). Entretanto, a sua especificidade foi de 84,2%, inferior à registrada para o antidsDNA, 94,7% (p<0,009). Os títulos dos anticorpos anti-nucleossoma apresentaram correlação com os índices de atividade da doença SLEDAI a LACC (r=0,486, p<0,0001 ; r=0,536 p<0,0001, respectivamente) assim como os títulos dos anticorpos anti-dsDNA (r=0,449, p<0,0001 ; r=0,488, p<0,0001, respectivamente). Essa correlação foi confirmada em 28 pacientes submetidos a uma segunda pesquisa de anticorpos e nova avaliação da atividade lúpica (anti-nucleossoma r=0,573, p=0,001 e anti-dsDNA: r=0,518, p=0,004).
 
          Entre os pacientes que apresentavam anticorpos anti-nucleossoma, 10% deles mostravam reatividade isolada, sem a concomitância dos outros anticorpos, confirmando os relatos de outros pesquisadores sobre a presença de anticorpos anti-nucleossoma restritos. Os anticorpos anti-nucleossoma estiveram presentes em 25% dos pacientes com doença inativa, enquanto que apenas 3,2% destes indivíduos apresentavam o anticorpo anti-dsDNA. A presença dos anticorpos anti-nucleossoma, ao contrário dos anticorpos anti-dsDNA, exibiu associação com atividade lúpica apenas no grupo com envolvimento renal (p=0,021), o que pode representar a confirmação de relatos experimentais de um papel nefritogênico para os anticorpos anti-nucleossoma. Nenhuma associação foi demonstrada, através de análise univariada, entre a presença de ambos os anticorpos e manifestações clínicas e laboratoriais isoladas do lúpus. Pacientes com menor tempo de doença ou de tratamento apresentaram positividade de anticorpos anti-nucleossoma (p=0,041 e p=0,003, respectivamente) e anticorpos anti-dsDNA (p= 0,001 e p=0,005, respectivamente) significativamente mais elevada, enquanto que nenhuma diferença foi observada entre os indivíduos tratados (n=58) a nao tratados (n=13). Os pacientes em use de corticosteróide como terapêutica única e com tempo de doença ou tempo de tratamento inferior a 6 meses, apresentavam positividade de anticorpos anti-nucleossoma (p=0,034 e p=0,016, respectivamente) e anticorpos anti-dsDNA( p=0,001 e p=0,003, respectivamente) significativamente superior em relação àqueles doentes tratados há pelo menos 6 meses. Entre os pacientes em use de terapêutica combinada de imunossupressor a corticosteróide não foram observadas diferenças quanto à presença dos anticorpos, independente do tempo de doença ou de tratamento. A pesquisa de anticorpos anti-nucleossoma, além de contribuir para uma melhor compreensão sobre a patogênia do LES, pode representar também um importante recurso diagnóstico, notadamente por apresentar maior sensibilidade em comparação aos anticorpos anti-dsDNA, manter boa especificidade e exibir correlação com a atividade clínica da doença, sobretudo nos pacientes com nefrite lúpica, além da possibilidade de serem os únicos anticorpos anti-cromatina presentes.